quarta-feira, 20 de julho de 2016

Mudez

Meu corpo, 
morada da palavra.

Antes de ser

fui dita.

Invólucro de argila,

molde de letra
discursiva
                    não falada.





imagem: René Magritte. L'Invention de la vie. 1928

quinta-feira, 14 de julho de 2016

Espumas

Quantas vezes mais
morreria por aqueles ombros?
Sessenta e oito vezes 
adoeceria só de olhar.
Consumiria em brasa a ideia
de um perfil inteiro
à meia luz.
E não se trata apenas
de fotografia mas toda
maneira como se move.
A pose de ventania nos cabelos
semi-presos, entregues à paisagem.
A delicadeza se tornando bruta,
eu me tornando espuma
em sua margem...





imagem: Edgar Degas. Dancer (Danseuse). c.1874

terça-feira, 12 de julho de 2016

Água vária

Meu Chafariz quer ser chuva,
romper o cimento e
atravessar a estrada,
deixar de ser monumento,
de vigiar auroras.

Quer desaguar nos mangues,

marujar a letra fresca 
de jangada.
Quer mover o tempo,
se livrar da hora.

Meu Chafariz, 

ao árvore ser,
quer renascer 
do lodo de sua borda.

quinta-feira, 7 de julho de 2016

Enferma idade

Naveguei as pestanas
da vida como se
em correnteza me
guiasse por folha.
As pedras mais moles
rolaram por meu limo
até as margens do livro.
A chuva avisa
que não descansa
de infiltrar o poema
Jorro inundante
de doença,
palavra respiratória.








imagem: Wassily Kandinsky. Small Worlds II. 1922

Para Manoel

Quero a palavra que
sirva no boca de um
lagarto
A palavra pegajosa
despida de proeza
metafórica
Aquela que rasteja
a aspereza da própria cauda
A palavra imprópria,
desapropriada,
ancorada no vazio,
sem asas.



imagem: Marta Barros